Ciência sob ameaça: pesquisadores na Venezuela temem pelo seu futuro
Cientistas na Venezuela temem pelo seu futuro sob Maduro, à medida que a repressão e a censura prejudicam a investigação.

Ciência sob ameaça: pesquisadores na Venezuela temem pelo seu futuro
O presidente Nicolás Maduro continua a sua ofensiva contra a oposição política à medida que mais investigadores na Venezuela consideram deixar o país. Desde que a Comissão Nacional Eleitoral o declarou vencedor das disputadas eleições presidenciais em Julho, o seu governo prendeu mais de 1.600 pessoas, incluindo estudantes e professores, segundo o grupo de direitos humanos Foro Penal, com sede em Caracas. Edmundo González, que concorreu contra Maduro nas eleições, fugiu para a Espanha em 8 de setembro para evitar a prisão.
Cientistas, alguns dos quais falaram com a Nature sob condição de anonimato porque temem retaliação do governo, relatam que a pesquisa na Venezuela já censurado e subfinanciados, e esperam que a situação continue a deteriorar-se. Eles apontam para uma lei recente promulgada pelo governo de Maduro que regulamenta as organizações não governamentais (ONG) das quais alguns investigadores dependem para financiar ou publicar as suas investigações. Este último capítulo do governo de Maduro poderá significar o fim da ciência independente no país, dizem.
“Tenho medo de falar com você”, disse o biólogo aposentado Jaime Requena à Nature enquanto se preparava nervosamente para deixar o país, temendo que as autoridades confiscassem seu passaporte para impedir sua partida. “A ciência aqui está rapidamente indo pelo ralo.”
O governo Maduro não respondeu a um pedido de comentário.
O Ministério do Poder Popular para Ciência e Tecnologia na Venezuela relata que cerca de 24.000 pessoas estão empregadas em pesquisa e desenvolvimento. No entanto, este número é exagerado porque inclui todas as pessoas licenciadas e o pessoal que limpa e mantém os laboratórios, diz Requena, que monitora o número de cientistas no país. Em 2004, quando a ciência na Venezuela era mais estável, apenas cerca de 7.100 cientistas estavam activamente envolvidos na investigação, diz Requena, que é membro da Academia Venezuelana de Ciências Físicas, Matemáticas e Naturais.
Dado que o Ministério da Ciência já não publica informações claras e fiáveis sobre os seus gastos, Requena avalia a produção de investigação em revistas científicas como um indicador da saúde da ciência venezuelana. Uma análise ainda não publicada que ele conduziu no ano passado sugere que há agora um máximo de 1.200 cientistas ativos.
Rotatividade surpreendente
Os protestos eclodiram depois que Maduro foi declarado vencedor das eleições presidenciais em julho. A União Europeia, os Estados Unidos e a maioria dos países sul-americanos questionaram a legitimidade do resultado e exigiram que Maduro divulgasse uma contagem completa dos votos.
A economia venezuelana está em crise desde que Maduro assumiu o poder em 2013. O produto interno bruto caiu de cerca de 373 mil milhões de dólares em 2012 para cerca de 44 mil milhões de dólares em 2020 e agora recuperou ligeiramente para 106 mil milhões de dólares. O financiamento nacional da ciência ronda os 0,3-0,4% deste valor (a média para os países da OCDE é de 2,7%). Estima-se que quase 8 milhões de pessoas – cerca de um quarto da população da Venezuela – tenham deixado o país para escapar à violência, à fome e à pobreza.
Jovens cientistas estão a deixar o país em massa em busca de uma educação de alta qualidade ou de perspectivas de carreira estáveis. Os que permanecem são, em grande parte, investigadores mais velhos – a investigação de Requena sugere que a idade média é de 55 anos – que são financeiramente estáveis ou podem utilizar ligações internacionais para obter financiamento.
Mas mesmo investigadores experientes deixaram o país. María Eugenia Grillet, bióloga de 64 anos que estuda a epidemiologia de doenças transmitidas por mosquitos, mudou-se para a Colômbia em dezembro de 2023 para evitar cortes de energia e poder realizar pesquisas livremente, entre outras coisas. Anteriormente, ela foi pesquisadora na Universidade Central da Venezuela, em Caracas, onde ganhava US$ 70 por mês. “A vida quotidiana é muito difícil para todos e vai piorar dada a situação política”, diz ela.
Em deficiência grave
As instituições públicas de investigação e as universidades, que empregam a maior parte dos restantes cientistas da Venezuela, estão a lutar para manter as portas abertas devido à falta de receitas do governo e a funcionários nomeados politicamente que gerem mal os orçamentos da educação e da ciência, dizem os investigadores. Equipamentos, materiais e pessoal são escassos.
“Não se trata apenas do financiamento”, afirma Cristina Burelli, diretora do SOSOrinoco, um grupo de defesa em Caracas que trabalha com investigadores que documentam anonimamente a degradação ecológica das florestas do país. “É a desinstitucionalização e o desprofissionalismo da indústria”, acrescenta ela. “É uma tentativa deliberada de eliminar qualquer pessoa que saiba alguma coisa, qualquer pessoa que possa questionar o governo.”
Liberdade acadêmica no país começou sob o antecessor de Maduro, Hugo Chávez, cujo governo, em nome do socialismo do século XXI, assumiu o controlo do financiamento anteriormente concedido directamente a investigadores de empresas privadas. Chávez também deu aos “conselhos comunitários” – grupos de cidadãos – o poder de definir orçamentos universitários e eleger vice-reitores universitários.
Uma lei assustadora
Hoje, as pessoas estão trabalhando para investigar questões que poderiam representar um problema de publicidade para a Venezuela, como o ressurgimento de doenças outrora erradicadas ou a poluição na floresta amazônica. atividades de mineração ilegal – anonimamente ou de outro país onde estão fora do alcance do governo, ou censuram o que publicam.
Os investigadores estão preocupados com a entrada em vigor de uma lei descrita por grupos de direitos humanos como uma lei anti-ONG. Esta lei, aprovada em 15 de Agosto, exige que as ONG partilhem informações sobre o seu financiamento, que por vezes é utilizado para financiar projectos de investigação, com o governo venezuelano. A lei visa garantir que os grupos da sociedade civil “não promovam o fascismo, a intolerância ou o ódio por motivos raciais, étnicos, religiosos, políticos, sociais, ideológicos ou de género”.
Pesquisadores que conversaram com a Nature dizem que a lei dá ao governo poder discricionário para tomar medidas contra qualquer pessoa cujos motivos discorde. “Os académicos [das principais universidades] estão absolutamente aterrorizados com a lei anti-ONG e, por isso, foram silenciados”, afirmou um grupo de investigadores venezuelanos num comunicado após pedir anonimato.
Requena diz que a ciência na Venezuela está um passo mais perto da morte. “A ciência garante que não fiquemos isolados, que nossas mentes possam se unir para produzir coisas que ajudem toda a humanidade”, diz ele. “Há um sentimento de fazer parte da humanidade e não consigo imaginar não fazer parte da humanidade.”
 
            